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A Tortura da Gordura Nunca Mais

Cirurgia bariátrica e a importância do acompanhamento psicológico

“A tortura da gordura nunca mais”

Cirurgia bariátrica e a importância do acompanhamento psicológico:

O que será obesidade? A obesidade sempre fez sofrer? A obesidade sempre esteve associada à feiúra? Tal como a feiúra, essa é uma questão cultural? Num primeiro momento diríamos que a obesidade já teve seu lugar na história da estética. Entretanto, desde o início dos tempos modernos, quando começou o culto à magreza, ficou reservada à obesidade o lugar da exclusão. O mundo globalizado que diminui distâncias e espaços também ficou menor para os obesos. Em sua ambigüidade, a globalização disseminou os hambúrgueres e as fritas, que são fatores importantes desse aumento de peso. Nestes tempos de “fast food” a obesidade ganha então uma nova dimensão, tornando-se um problema de saúde pública, saindo da polaridade feio x bonito ou aceito x excluído, para entrar na questão: morbidade x saúde. Não há mais espaço para tanta gordura. Os obesos experimentam além desta estigmatização social, uma baixa auto- estima que potencializa ainda mais a compulsividade, a ansiedade, as insatisfações sexuais e o medo de se expor, tão presentes nesse processo de “engordamento”. No entanto, esses sintomas pouco representam se comparados com a morbidade encontrada quando a obesidade já está instalada. Refiro-me ao fenômeno da obesidade mórbida e de suas conseqüências, tais como a dificuldade nas articulações da marcha, a diabetes, o aumento da taxa do colesterol e dos triglicerídeos, a hipertensão arterial e as complicações cardíacas.

Como resposta a esses sintomas, surge uma nova terapêutica, a cirurgia bariátrica, que se traduz na redução do tamanho do estômago. Esta é uma intervenção cirúrgica de grande porte que “opera a barriga, mas que não opera a cabeça”. Faz-se necessário um suporte psico-terapêutico que permita acompanhar as transformações estruturais pelas quais passa esse “novo corpo” para que, agora, impedido de engordar e livre do “efeito sanfona”, o ex-obeso possa mover-se em direção ao prazer. Preparar-se para substituir quantidade por qualidade, culpa por prazer. E preparar-se emocionalmente para as transformações que esta intervenção promove. Tal suporte garante que a perda de peso não seja desestruturadora.

Minha experiência mostrou a necessidade de poder contar com um suporte profissional para fazer frente às grandes transformações corporais, através das múltiplas trocas que um grupo terapêutico pode proporcionar. Os “Grupos Operativos” tem como objetivo “operar” as condições emocionais necessárias para aceitar as mudanças que o corpo sofre, facilitando o processo e usufruindo de todos os seus benefícios. Meu trabalho terapêutico também enfatiza que esta intervenção cirúrgica só é indicada para quem tem Índice de Massa Corporal (IMC) acima de 40, pois a procura pela cirurgia é cada vez maior, mas os riscos cirúrgicos só se justificam em caso de obesidade mórbida

Depois de alguns anos de cirurgia, uma paciente afirma ter emagrecido neste processo mais do que pesa atualmente, (ela pesa 62 e perdeu 66 quilos) afirmando que: “Hoje sou 66 quilos mais feliz”. Não basta emagrecer, é necessário desidentificar-se com o corpo obeso para que a auto–imagem se atualize no ritmo das mudanças corporais vividas. A tarefa terapêutica é garantir que este procedimento se traduza no resgate da saúde integral a partir do desejo legítimo de emagrecer, evitando que esta cirurgia se traduza em apenas mais um retalhamento corporal. E para que o paciente atinja seu objetivo é importantíssimo que ele aceite se submeter, sobretudo nos primeiros anos depois da cirurgia, a uma reeducação alimentar, que é bastante facilitada pela ação da própria cirurgia, mas que não é garantia de manter-se com o peso desejado. Se o paciente, hipoteticamente, pese 160 quilos e perca 50 quilos, do ponto de vista médico ele já pode ser considerado um sucesso, mas emocionalmente ele continua se sentindo um fracasso. É nesse espaço que se localiza a importância do suporte psicológico, pois a terapia ajuda o paciente a caminhar na direção da realização de seu verdadeiro desejo, resgatando uma relação mais saudável com seu corpo.

Salvo algumas exceções, nossos desconfortos emocionais, nossas tristezas ou nossos momentos depressivos não costumam resistir a uma boa conversa, ou ao nosso programa preferido ou a uma boa sessão terapêutica, mas o sofrimento que a obesidade representa não dá trégua. O obeso não esquece nem um minuto que é obeso. Depois de experimentar o resgate de um corpo mais de acordo com um padrão saudável, a paciente diz ter vontade de gritar:

“A tortura da gordura nunca mais”.

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