Aspectos Psicológicos da Cirurgia Bariátrica
Explorando os aspectos psicológicos da cirurgia bariátrica, desde a necessidade de suporte terapêutico até a transformação emocional necessária para que o paciente aceite as mudanças que o corpo sofre.
Aspectos Psicológicos da Cirurgia Bariátrica:
Na cultura das sensações as regras e os modelos de identificação estão no corpo. Então o que importa é a capacidade de extrair sensações do corpo, de forma imediata. Os vínculos são mais instáveis e mais precários na cultura das sensações, abrindo espaço para a instalação dos Distúrbios da Imagem Corporal, já tendo mesmo quem chame de Doenças da Beleza. Elas revelam uma pobreza afetiva, uma falta de terreno fértil para a afetividade. A promessa de felicidade pelas sensações é falsa. A cultura das sensações remete ao culto do corpo que é imediatista e não combina com vínculo afetivo.
Como resposta a uma tendência mundial à obesidade, surge uma nova terapêutica, a gastroplastia, que é a cirurgia de redução do estômago. Esta intervenção cirúrgica de grande porte “opera a barriga, mas que não opera a cabeça”. Faz-se necessário um suporte psico-terapêutico que permita acompanhar as transformações estruturais pelas quais passa esse novo corpo, para que, impedido de engordar e livre do “efeito sanfona”, o obeso possa mover-se em direção ao prazer. Preparar-se para substituir quantidade por qualidade, culpa por prazer, e preparar-se emocionalmente para as transformações que esta intervenção promove. Tal suporte garante que a perda de peso não seja desetruturadora. O acompanhamento terapêutico (individual ou em grupo) tem como objetivo promover as condições emocionais necessárias para que o paciente aceite as mudanças que o corpo sofre, facilitando seu processo e usufruindo de todos os benefícios que a cirurgia permite. Não basta emagrecer, é necessário transformar- se por inteiro para adquirir saúde
Cada vez é mais clara a necessidade de um profissional da área “psi” no processo de transformação de um obeso mórbido em um indivíduo dentro de padrões físicos “normais”. As pessoas estão acostumadas com o padrão de receber gratificação em forma de alimento. Os obesos não são gente à parte, também aprenderam que comida pode ser sinônimo de presente. É comum, uma mãe oferecer ao filho alimentos, toda vez que ele chora; ou “presenteá-lo com bombons”, toda vez que se ausenta de casa ou volta do trabalho, condicionando um “ato reflexo” de gratificação oral, que pode persistir por toda sua vida.
Em toda as faixas etárias, por motivos diversos, o alimento tem função gratificante, ajudando a satisfazer necessidades “ocultas”, como as relacionadas com a segurança e aceitação pelo grupo. Conseqüentemente, em épocas de tensão emocional (ansiedade, frustração, aflição, aborrecimentos, tristeza e depressão) pode ocorrer uma “hiperfagia compensatória”. Muitos pacientes dizem comer quando ficam ansiosos ou quando se frustram com alguma coisa, mas muito poucos buscam tratamento para os sintomas emocionais. Alguns pacientes usam remédios para emagrecer, mas poucos aceitavam medicações para ansiedade ou depressão. E quanto à ajuda psicológica ainda menos pacientes admitem sua importância. No trabalho psico-terapêutico, as entrevistas iniciais objetivam a conscientização de que a cirurgia não é um processo em que o sujeito se mantém passivo sendo emagrecido como que num passe de mágica, mas implica sim em um ônus que marca principalmente o campo psíquico. A operação precipita uma série de transformações que afetam as relações do indivíduo consigo próprio e com os outros.
O modo como cada obeso se relaciona com a comida é fator de importância na avaliação pré-cirúrgica. A questão é trazer à consciência o lugar ocupado pelo alimento na vida de cada indivíduo, para que se detecte a possibilidade de mudanças na relação do obeso com a comida. O vínculo com o alimento ou com o ato de comer pode ser marcado pelo prazer, pela gratificação, pela agressividade autodirigida, pela ansiedade ou pela assexualização. Este modo relacional tende a ser deslocado para outro objeto quando a ingesta excessiva é bloqueada pelo processo mecânico instalado cirurgicamente.
A tendência individual ao comportamento aditivo deve ser investigada, bem como a presença de sintomas de depressão associada ou não, ao comportamento compulsivo de comer. Quando necessário, é indicado o uso de antidepressivos para fazer frente à compulsão alimentar, como parte complementar do tratamento.
No pós-cirúrgico o foco terapêutico passa a ser a nova imagem e as repercussões sobre a personalidade do indivíduo. Liberto do sintoma encobridor, a obesidade, conflitos mais básicos tendem a emergir. O feedback recebido pela nova apresentação exige do indivíduo uma adaptação e principalmente a consideração do corpo até então ignorado. Muitos obesos relatam não ter de si a visão de um corpo excessivamente gordo. É através de fotos e dos olhares alheios que se dão conta de sua forma. A maioria dos indivíduos obesos não possui espelhos que os mostrem de corpo inteiro e suas identidades ficam restritas às próprias faces. O tratamento global para a obesidade implica na reparação dessa cisão que se expressa externamente, mas reflete todo um funcionamento psíquico de divisão. Os pacientes são estimulados a se tocarem, se olharem e se perceberem emocionalmente no decorrer do surgimento de uma nova forma corporal. O atendimento em grupo ou individual ajuda o paciente a desidentificar-se com o corpo obeso para que a auto–imagem se atualize no ritmo das mudanças corporais.
Constatamos que muitos obesos não conseguem abrir mão de sua forma e muito menos dos benefícios que a “capa” de gordura fornece enquanto defesa. Há indivíduos que submetidos à cirurgia de redução do estômago tendem a adaptar-se à alimentação pastosa e/ou líquida de alto teor calórico, boicotando o resultado cirúrgico. Ou em casos extremos e mais graves, forçam a hiperingesta alimentar, chegando romper as fileiras de grampos que criam o processo mecânico de limite de entrada de alimento. Estes casos têm deixado clara a necessidade do trabalho multidisciplinar, mas poucos são os pacientes que aceitam sem resistência o tratamento psicoterápico. A maior parte permanece no papel passivo e projeta o eventual insucesso na técnica, isentando-se das responsabilidades sobre a vivência transformadora da criação de uma nova identidade.
Deformados pela gordura, perdem suas formas femininas ou masculinas e são assim impedidos de uma vivência sexual madura, campo que exige uma transformação de nível mais profundo. O corpo gordo serve também de metáfora para a força e a grandiosidade que refletem a concepção inconsciente que o obeso tem de si como auto-suficiente e ilimitado. Esse fator de “onipotência” tem surgido como principal barreira na procura da psicoterapia no período pós-cirúrgico, além das naturais resistências ao movimento de aprofundamento.
Assim a preocupação não é discutir qual a etiologia da obesidade, mas poder considerá-la como um problema de saúde que necessita de tratamento clínico e/ou cirúrgico, que considere o portador da obesidade e que permita um reposicionamento diante do corpo, até então rejeitado e agredido, surgindo como reflexo de um processo interior.
Um olhar mais atento para gênese da nossa história nos ensina que buscar conhecer o passado de nossos avós obesos permite melhor posicionamento de
nossa identidade, no presente.