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Corpo e/é Alimento: A Constituição da Sobrevivência, do Desejo e do Habitar-se

Este trabalho aborda como o corpo e o alimento participam de uma matriz essencial nos primórdios da vida psíquica, explorando a tríade pai-mãe-bebê e suas implicações nos transtornos alimentares e na constituição da subjetividade.

CORPO E/É ALIMENTO:

A CONSTITUIÇÃO DA SOBREVIVÊNCIA, DO DESEJO E DO HABITAR-SE.

Dirce de Sá Freire ¹

Elen Nogueira Lima Coutinho²

“Alvo do ideal de completude e perfeição, veiculado na pós-modernidade, o corpo parece servir de forma privilegiada, por intermédio da valorização da magreza, da boa forma e da saúde perfeita, como estandarte de uma época marcada pela linearidade anestesiada dos ideais”. (FERNANDES, Maria Helena (2003) – CORPO, São Paulo: Casa do Psicólogo).

Palavras-chave: Corpo – alimento – transtornos alimentares – construção da subjetividade

Resumo:

Este trabalho tem como objetivo abordar o enredo em que o corpo e o alimento participam de uma matriz essencial nos primórdios da vida psíquica. O fundar-se como sujeito supera os caminhos da sobrevivência, percorre o desejo na tríade pai-mãe-bebê para que, posteriormente, o “habitar-se” possa ser construído. Os corpos do bebê e da mãe vão tecendo um ballet para além da necessidade. A transicionalidade invade os registros do corpo, transpondo os registros da biologia e convocando os arranjos de si. O corpo alimenta e é alimentado. Uma falha nesta relação precoce pode manifestar-se na ordem dos transtornos alimentares: corpo e alimento novamente são convocados no terreno do afeto.

Trabalhamos com o pressuposto básico de que o alimento é uma forma de afeto, que utiliza o Corpo também como uma manifestação da sua relação com o outro. Tratar o Corpo não precisa estar restrito ao campo da medicina e da biologia, mas pode e deve considerar o psíquico. Queremos pensar na tríade “pai-mãe-bebê” sob a ótica alimentar, em suas três instâncias: “alimentar” o bebê, “ser alimentado” pelo pai e permitir que a mãe cumpra seu papel alimentador, sendo também “alimentada” em suas necessidades. Um Corpo que recebe alimento e que é alimento. Buscaremos sair do registro do meramente biológico ou orgânico, sempre tomando o sujeito na sua pluralidade, considerando a pulsão como conceito-limite entre a concepção psicológica e a concepção biológica. O ato de alimentar e ser alimentado é colocado para além da sobrevivência, como possibilidade de oferecer a elaboração dos registros que constituirão o “habitar-se”, o apropriar-se do próprio corpo que está imerso na relação com o outro. Diante dessa constatação a psicanálise pode ser colocada “entre” a biologia e a psicologia, se percebendo na iminência de ampliar seu campo clínico e, conseqüentemente seu campo teórico. Analisaremos o Corpo se fazendo cada vez mais presente na clínica contemporânea, refletindo a imagem do mal-estar na atualidade. Este Corpo está promovendo o que Maria Helena Fernandes denomina “psicopatologia do Corpo na vida cotidiana”. A falta de investimento libidinoso da mãe no Corpo do filho gerando dificuldades na constituição psíquica futura, podendo vir a se expressar numa das formas de transtornos alimentares que invadem nossos consultórios, como a anorexia, a bulimia ou a obesidade mórbida.

Preocupamo-nos também com o papel do meio ambiente, da cultura, do espetáculo social em que estão colocadas as práticas corporais. O cuidar de si pode alcançar a ordem dos cuidados corporais que levam à formação de identidades somáticas, às bioidentidades. Parece haver um deslocamento para exterioridade do modelo internalista e intimista da construção e descrição de si. Para Francisco Ortega a anorexia estaria para o século XX como a histeria para o século XIX. Sofrem humanos e instituições mediante a necessidade de reflexão sobre a constituição dessa nova subjetividade, equipamentos materiais e humanos necessitam de adaptações e aprimoramento para modernas concepções de saúde, doença, normal, patológico. São fundadas novas reflexões em saúde desde a prática clínica até os serviços hospitalares com a necessidade de macas e materiais cirúrgicos para obesos, oferta de atendimento home care dentre outras necessidades. Pautaremos nossa reflexão na noção

de Corpo em Freud para não sairmos do registro da singularidade da psicanálise, a escuta e o acolhimento do sofrimento humano. Nosso trabalho priorizará as novas formas de escuta, que possam dar conta do registro do Corpo nas atuais demandas, sem abrir mão dos pressupostos psicanalíticos,. considerando que o Corpo está localizado no centro da construção da subjetividade freudiana; estando para além da lógica da representação.

¹ -Dirce de Sá Freire – Historiadora e Psicanalista, membro efetivo do CPRJ e coordenadora e professora do curso Transtornos Alimentares na CCE-PUC/RJ.

² -Elen Nogueira Lima Coutinho – Psicóloga.

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