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Obesidade e Sua Dor

A obesidade, uma questão cultural, já teve um lugar privilegiado na história, mas hoje enfrenta a exclusão e se tornou um problema de saúde pública. Este post explora a dor e os desafios associados à obesidade.

OBESIDADE E SUA DOR

A obesidade é uma questão cultural e sendo assim verifico que ela também já teve um lugar privilegiado na história. Desde o início dos tempos atuais, quando começou o culto à magreza, percebe-se que à obesidade foi destinado o lugar da exclusão. O mundo globalizado que diminui distâncias e espaços também ficou menor para os obesos. Em sua ambigüidade, a globalização disseminou os hambúrgueres e as fritas, que são os representantes máximos desse aumento de peso. Nestes tempos de “fast food” a obesidade ganha então uma nova dimensão, tornando-se um problema de saúde pública, saindo da polaridade feio x bonito ou aceito x excluído, para entrar na questão: morbidade x saúde.

Não há mais espaço para tantos excessos ou tanta gordura. Os obesos experimentam além da exclusão social uma baixa autoestima que potencializa ainda mais os núcleos relativos à compulsividade, à ansiedade, às insatisfações sexuais e ao medo de se expor, tão presentes nesse processo de “engordamento”. No entanto, esses sintomas pouco representam se comparados com a morbidade encontrada quando a obesidade já está instalada. Refiro-me ao fenômeno da Obesidade Mórbida e de suas conseqüências, tanto do ponto de vista médico (a dificuldade nas articulações da marcha, a diabetes do tipo II, o aumento da taxa do colesterol e do triglicerídeos, a hipertensão arterial e as eventuais complicações cardíacas que se seguem), quanto aquelas que prejudicam o sujeito do ponto de vista emocional como o afastamento de nossa essência e o nosso processo de “anestesiamento” ou “congelamento” do nosso sentir.

Num esforço de contextualização para melhor explorar a questão, percebo que outrora a definição do que era considerado “obeso” ou “gordo” era muito diferente. A definição social da boa aparência era outra. Ajuda lembrar, por exemplo, que a entrada do açúcar e da batata no cardápio europeu modificou os modelos de beleza feminina. O historiador Jean-Louis Flandrin foi o primeiro a apontar a transformação sofrida pelos padrões culturais, quando foram

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introduzidas essas substâncias gordurosas e “engordativas” no cardápio europeu1. Entre os séculos XVI e XVIII, a Europa abandonava os seios pequenos e quadris estreitos das mulheres retratadas por pintores como Dürer, trocando pelas dobras das “gordinhas” de Rubens e Rembrandt. Gordura não era só sinônimo de beleza, mas, também, de status social. Não havia formosura, sem gordura! Gordura significava riqueza! Havia também uma correlação direta entre gosto alimentar e gosto sexual. 2

O século XX trouxe muitas transformações. Na Europa, multiplicavam-se os ginásios, os professores de ginástica e os manuais de medicina - que chamavam atenção para as vantagens físicas e morais dos exercícios. As mulheres começam a pedalar ou a jogar tênis no continente europeu e não faltou quem achasse a novidade, imoral, ou até mesmo, pecado. E a relação estabelecida entre a posição sexual e o montar na bicicleta foi o responsável pela maior resistência ao novo meio de transporte para as mulheres por acreditarem que elas poderiam usar o veículo como fonte de prazer masturbatório. As mulheres tornam-se mais leves. As pesadas matronas de Renoir são substituídas pelas sílfides de Degas. 3

Microcâmeras entram no corpo e sugam camadas de gordura entre peles e músculos; transferência de gordura de uma região do corpo para outra, ou aplicações de silicone que funcionam como massa de modelar, permitem à mulher sentir-se mais magra com a ilusão de estar mais saudável. Hoje, a gordura cresce mais rapidamente entre as classes desfavorecidas que não podem se dar ao luxo de buscar tratamento médico e psicológico. Mas nada disso é novo. Já se procurava o famoso equilíbrio que parece faltar, tanto na discussão sobre a “Fome Zero”, quanto no horror à gordura que tomou conta do nosso país.

O historiador Jean-Louis Flandrin foi o primeiro a apontar a transformação sofrida pelos padrões culturais, quando foram introduzidas essas substâncias gordurosas e “engordativas” no cardápio europeu4. Entre os séculos XVI e XVIII, a Europa abandonava os seios pequenos e quadris estreitos das mulheres retratadas por pintores como Dürer, trocando pelas dobras das “gordinhas” de Rubens e Rembrandt. Gordura não era só sinônimo de beleza, mas, também, de status social. Não havia formosura, sem gordura! Gordura significava riqueza! Havia também uma correlação direta entre gosto alimentar e gosto sexual. 5. Não é a toa que expressões como gostosa, suculenta ou apetitosa são freqüentemente utilizadas para se referir às qualidades femininas.

A partir da metade do século XIX a obesidade começou a ser rejeitada, apesar das preocupações dos higienistas da época alimentarem a moda da gordinha porque temiam que elas se tornassem anêmicas ou histéricas. As mulheres brancas eram vistas pelos estrangeiros como possuidoras de um corpo negligenciado, corpulento e pesado. As causas eram inúmeras6: a indolência, os banhos quentes, o amor à comodidade, o ócio excessivo desfrutado numa sociedade escravista, o matrimônio e a maternidade precoces, as formas de lazer e de sociabilidade que não estimulavam o exercício físico.

3 - ASPECTOS TEÓRICOS DA OBESIDADE:

Definindo teoricamente a obesidade constatamos em primeiro lugar a importância de a reconhecermos como uma doença.

“Há uma série de mitos que ainda persistem sobre a obesidade e que atravanca de maneira absurda o conhecimento da doença – e é doença sim. A obesidade causa grandes dissabores aos gordos, quer físicos, estéticos ou psicológicos e, pior ainda, ela vem crescendo de maneira espantosa, caracterizando o que podemos chamar de epidemia de obesidade” (HALPERN, A. – Mitos e verdades - Obesidade, São Paulo, Contexto, 1997, p.9)

Aceita mundialmente como método mais eficaz de se determinar o grau de obesidade de uma pessoa é a avaliação do Índice de Massa Corporal (IMC). Este índice é calculado dividindo-se o peso em quilos pela altura em metros ao quadrado. Por exemplo, uma pessoa de 1,70 m e peso de 90 kg tem um IMC = 31,14, ou seja, tem uma Obesidade Leve. De acordo com a tabela abaixo são classificadas as diferentes categorias de obesidade

  • IMC de 20 a 25 - Peso Saudável
  • IMC de 25 a 30 – Sobrepeso
  • IMC de 30 a 35 - Obesidade Leve
  • IMC de 35 a 40 - Obesidade Moderada
  • Acima de 40 - Obesidade Mórbida

RESILIÊNCIA

Na visão de Alfredo Halpern7 as possíveis causas da obesidade são as seguintes: obesidade de nascença; obesidade pubertária; obesidade após o casamento; obesidade após a gravidez; obesidade pós-cessação de atividade física; obesidade após deixar de fumar; obesidade causada por drogas; obesidade da menopausa; obesidade por causas endócrinas; obesidade causada por causas psíquicas (angústia, depressão ou carência afetiva). Para este autor, a capacidade de uma pessoa engordar depende bastante de quanto ela come, mas também de quanto ela queima de calorias, ou seja, de quantas calorias são queimadas do depósito de gordura e de quanta gordura ela é capaz de fazer. Ainda na visão deste mesmo médico endocrinologista, depende do funcionamento de cada organismo e de seus componentes genéticos, uma vez que os genes influenciam mais a obesidade do que o ambiente. Quando o pai e a mãe são obesos, a chance de seus filhos serem obesos é de 80%; quando só um dos pais sofre de obesidade, a chance do filho ser obeso cai para 50%. Entretanto, se os pais têm peso normal, a probabilidade de seus filhos tornarem-se obesos é menor que 10%: “A influência dos hábitos familiares – de comer muito ou de manter pouca atividade física – é indiscutível. Mas, com certeza, o fator genético pode muitas vezes explicar a obesidade familiar”. (op. cit., HALPERN, p.23)

Foi na proporção da gravidade desses sintomas, que surgiu a nova terapêutica, a gastroplastia, que é a cirurgia de redução do tamanho do estômago. Esta é uma intervenção cirúrgica de grande porte que “opera a barriga, mas que não opera a cabeça”. Por isso é necessário um suporte psico-terapêutico que permita acompanhar as transformações estruturais pelas quais passa esse “novo corpo” para que, impedido de engordar e livre do efeito sanfona, possa mover-se em direção ao prazer.8

A cirurgia bariátrica, por consenso mundial, esta indicada para os obesos que preencherem determinados critérios, tais como: possuir um Índice de Massa Corporal (IMC) maior que 40; ou no caso de ter o IMC maior que 35 com doenças associadas à obesidade; ou ainda quando se constata falhas nos tratamentos tradicionais prévios sob orientação profissional; também na ausência de doenças com riscos inaceitáveis para cirurgia; na ausência de doenças endócrinas como causa da obesidade; e na ausência de psicopatias graves, incluindo viciados em droga e álcool. 9

Quais os objetivos da cirurgia? O objetivo do tratamento cirúrgico é não só eliminar ou minimizar as doenças associadas à obesidade, como também resolver os problemas psicológicos e sociais causados pela mesma nas coisas mais simples da vida, como na higiene pessoal, problemas de locomoção, atividades sociais, sexuais e no trabalho. Resumindo, o objetivo do tratamento cirúrgico é melhorar a qualidade de vida do obeso, resolvendo os problemas de ordem física e psicossocial que o excesso de peso acarreta. É bom reconhecer que esta cirurgia só é indicada para quem tem Obesidade Mórbida, (IMC acima de 40) e não para quem só precisa perder alguns quilos que tem em excesso, como nos leva a crer a banalização desta cirurgia promovida pela mídia.

Com a disseminação que tem caracterizado essa cirurgia assistimos a um processo de banalização dos riscos que ela envolve, fazendo com que cada vez um maior número de pessoas busque essa alternativa como uma solução mágica para um problema que não pode ser tratado com varinha de condão, mas com muita seriedade para não perder de vista a gravidade deste procedimento cirúrgico. A cirurgia da Obesidade Mórbida é um procedimento complexo que possui complicações como qualquer outra cirurgia de grande porte. Felizmente a incidência de complicações é pequena, fazendo com que a cirurgia, quando bem indicada e o paciente bem preparado, se torne um excelente método no tratamento da Obesidade Mórbida.

Esta cirurgia é tão ou menos radical e violenta quanto a própria obesidade. É claro que existe um ganho estético, mas o objetivo deve ser a busca e a manutenção da saúde e da vida. Esta cirurgia pode representar um limite ou um “basta!” que ela sozinha não consegue dar. Isso não quer dizer que o obeso não tenha força de vontade.10 Muito pelo contrário, pois a maioria dos obesos já se submeteu à inúmeras dietas, conseguindo perder até 30 ou 40 Kg. Manter o novo peso é muito difícil em função dos bloqueios emocionais e das dificuldades físicas que se somam a compulsividade alimentar.

Os pacientes vivenciam um verdadeiro processo de “Renascimento”. Com certeza não faltam motivos que justifiquem esta vivência, uma vez que esta cirurgia remete a pessoa a fases muito primitivas de sua vida. Estar limitado ao consumo, única e exclusivamente de líquidos, por exemplo, como acontece no pós-operatório imediato, facilita e explica esse processo regressivo. Portanto, é muito importante contar com o apoio de uma terapia individual ou de grupo. O Grupo Operativo oferece a oportunidade de trabalhar junto com outros obesos, trocando experiências sobre as questões relativas aos desconfortos, mudanças e conquistas experimentados pelos pacientes que se submetem a este procedimento cirúrgico.

Anna Alice Mendes11 faz alguns questionamentos que são de grande relevância quando tratamos da exclusão social na obesidade:

Quem sou eu, afinal? Sou esse conjunto de dados biográficos através dos qual me identificam? Sou esse corpo, com seu potencial e suas limitações? Sou aquilo que penso? Ou aquilo que sinto? Ou aquilo que tenho podido expressar? Sou o que trago em minha alma? O que herdei de meus ancestrais, através de meus genitores? O que aprendi a ser na vida em sociedade?

Com que parte de mim me identifico? Por que sofro? O que me aprisiona em minhas dores, lembranças e dificuldades? Por que insisto em carregar tanto passado em meus ombros? Por que não me liberto das crenças e dos sentimentos que me fazem sofrer? O que impede meu desenvolvimento?”.

Salvo algumas exceções, nossos desconfortos emocionais, nossas tristezas ou nossos momentos depressivos não costumam resistir a uma boa conversa, ou ao nosso programa preferido ou a uma boa sessão terapêutica, mas o sofrimento que a obesidade representa não dá trégua. O obeso não esquece nem um minuto que é obeso. Depois da cirurgia de redução do estômago uma paciente afirmou ter vontade de gritar:

“A tortura da gordura nunca mais”.

Com 4 anos de operada, uma paciente que hoje pesa 62 kg, tendo perdido 66 kg afirma que: “Hoje sou 66 quilos mais feliz”. Não basta emagrecer, é necessário desidentificar-se com o corpo obeso para que a auto–imagem se atualize no ritmo das mudanças corporais vividas. A tarefa terapêutica é garantir que este procedimento se traduza no resgate da saúde integral a partir do desejo legítimo de emagrecer, evitando que esta cirurgia se traduza em apenas mais um retalhamento corporal. E para que o paciente atinja seu objetivo é importantíssimo que ele aceite se submeter, sobretudo no primeiro ano depois da cirurgia, a uma reeducação alimentar, que é bastante facilitada pela ação da própria cirurgia, mas que não é garantia de sucesso. Se o paciente, hipoteticamente, pese 160 quilos e perde 50 quilos, do ponto de vista médico ele já pode ser considerado um sucesso, mas emocionalmente ele continua se sentindo um fracasso. É aí que entra a importância do suporte psicológico, pois a terapia ajuda o paciente a caminhar na direção da realização de seu verdadeiro desejo, resgatando uma relação mais saudável com seu corpo.

5 - REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

BASSO, Theda e PUSTILNIK, Aidda, - Corporificando a consciência – Teoria e

prática da Dinâmica Energética do Psiquismo, São Paulo, Instituto Cultural Dinâmica do Psiquismo, 2000.

BERTIN, Célia – A mulher nos tempos de Freud, São Paulo, Papirus Editora, 1990

DEL PRIORE, Mary - Corpo a corpo com a mulher – história das

transformações do corpo feminino no Brasil, São Paulo, Senac, 2002.

DEL PRIORE, Mary e SÁ FREIRE COSTA, Dirce – O corpo feminino e o preço

da inclusão na cultura contemporânea, no prelo, mimeo, 2003.

FLANDRIN, Jean-Louis – “Manger, une pratique culturelle”, in Sciences Humaines,

n.135, février, 2003.

HALPERN, Alfredo . – Mitos e verdades - Obesidade, São Paulo, Contexto,

1997

HIPERTEXTO, no site intitulado : Cirurgia para Obesidade Mórbida – da Clínica

GastroEnterológica Ribeirão Preto, sem identificação de autor, retirado da Internet em 11 de junho de 2003.

RUETIMANN, Ana Cristina, SANTOS, Nancy Andrade S. e AMARAL, Moacir –

Metodologia – Dinâmica do Psiquismo, 2003.

MARCHESINI, Simone Dallegrave - Aspectos Psicológicos da Obesidade,

Internet, Junho de 2003.

MENDES, Anna Alice – “Massagem Espiritual – Um Caminho de Volta para

Casa” in obra jornalística: Prana – Universo Holístico, Ano VII, n°77, Junho de 2003

RUETIMANN, Ana Cristina, SANTOS, Nancy Andrade S. e AMARAL, Moacir –

Metodologia – Dinâmica do Psiquismo, 2003.

WEBER, Eugen – França, fin de siècle , São Paulo, Cia das Letras, 1988.

  1. - Ver sua opinião em “Manger, une pratique culturelle”, in Sciences Humaines, n.135, février, 2003. ↩︎

  2. - DEL PRIORE, Mary e SÁ FREIRE COSTA, Dirce – O corpo feminino e o preço da inclusão na cultura contemporânea, no prelo, mimeo, 2003. ↩︎

  3. - Cf. BERTIN, Célia – A mulher nos tempos de Freud, São Paulo, Papirus Editora, 1990 e WEBER, Eugen – França, fin de siècle , São Paulo, Cia das Letras, 1988. ↩︎

  4. - Ver sua opinião em “Manger, une pratique culturelle”, in Sciences Humaines, n.135, février, 2003. ↩︎

  5. - DEL PRIORE, Mary e SÁ FREIRE COSTA, Dirce – O corpo feminino e o preço da inclusão na cultura contemporânea, no prelo, mimeo, 2003. ↩︎

  6. - Apud Mary Del Priore, Corpo a corpo com a mulher – história das transformações do corpo feminino no Brasil, São Paulo, Senac, 2002. ↩︎

  7. - HALPERN, A. – Mitos e verdades - Obesidade, São Paulo, Contexto, 1997 ↩︎

  8. As informações dos dois últimos parágrafos foram extarídas de COSTA, Dirce Sá Freire e ARRUDA, José Augusto - “Gastroplastia: Uma Solução Mágica?”** in obra jornalística:”Oxigênio”, Ano III, n°17, Agosto de 2001, p.10 ↩︎

  9. ` `- Cf. “Hipertexto” retirado do site intitulado : Cirurgia para Obesidade Mórbida – da Clínica GastroEnterológica Ribeirão Preto, sem identificação de autor, retirado da Internet em 11 de junho de 2003. ↩︎

  10. - MARCHESINI, Simone Dallegrave - Aspectos Psicológicos da Obesidade, Internet, Junho de 2003. ↩︎

  11. MENDES, Anna Alice – “Massagem Espiritual – Um Caminho de Volta para Casa” in obra jornalística: “Prana – Universo Holístico”, Ano VII, n°77, Junho de 2003, p.3 ↩︎

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